segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Se Aconchegue Dersu

Recentemente voltei a assistir um filme que há muito tempo pensava em rever. Daqueles atemporais e que calam fundo na alma dos que às vezes se angustiam com o rumo que as coisas andam tomando no mundo. Um mundo onde as coisas valem pelo que parecem; onde o almejado está sempre mais além, onde a felicidade é sempre do outro e chegará também para mim, mas só amanhã; onde os pequenos prazeres da vida são deixados de lado pelas suas imperfeições, como alguém que olha o pôr-do-sol sobre o rio e enxerga apenas o horizonte, este sim belo, mas sem se aproximar da margem e seu cenário inquietante.

Que medo é esse de olhar ao seu redor e enxergar o que realmente se passa? Será que sem olhar sequer ao redor estaremos aptos a olhar para dentro? Que adianta olhar o horizonte ao longe se ele será apenas uma alegoria, sem perceber que ele é apenas um fim, sem nos mostrar o caminho?

No filme Dersu Uzala é contada a história de um grupo de soldados que é conduzido por uma floresta por um homem conhecedor da região que perdeu a família, vitimada pela varíola. Inicialmente desdenhado pelo grupo, Dersu aos poucos apresenta sua sabedoria sobre a natureza e a natureza do homem. Após uma série de acontecimentos, ele acaba por conquistar confiança, respeito e, finalmente carinho dos homens, principalmente do Capitão. Dersu conquista a todos desde os primeiros instantes por seu jeito puro e sincero como o personagem Mário Ruoppolo de O carteiro e o Poeta. Mostra a perspicácia e habilidade de um homem simples e humilde. Alguém que conquistou sua sabedoria ao observar as coisas como elas são em sua essência.

Na cena final da primeira parte os homens após se separarem de Dersu começam a cantar exatamente como faziam antes de conhecê-lo. Apesar de todas as experiências passadas pouco se modificaram, eles que agora andam sobre a linha do trem, linha das suas vidas retas e predestinadas. O Capitão os faz parar e se volta para acenar para Dersu como quem diz “obrigado por me fazer um pouco mais livre, apesar das amarras”.

Ao assistir o filme, diversas vezes me lembrei da frase de Tolstoi “Se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia”. Dersu é o retrato do homem que interage, respeita e reflete a natureza ao seu redor, mostra as angústias do homem da região. Ele representa o índio, o caipira, o gaúcho, o nordestino sertanejo, sendo universal como todos estes, cada um a seu modo, mas todos fundamentalmente iguais.

O agito das grandes cidades fazem as pessoas esquecerem do que são, há tantas coisas parar ver e fazer que se esquecem de pensar. Esquecem de deixar o seu Dersu interior respirar um pouco (se é que imaginam que ele existe). As figuras do índio, do caipira, do gaúcho, do nordestino sertanejo, são vistas com desdém e arrogância, como se não fossem dignos de nota, apenas de pena. Talvez por não saberem se expressar sejam discriminados, o que os torna “ignorantes”.

Talvez um dia o homem comece a se voltar para as coisas mais simples que os cercam, encontrando metáforas que mostrem a essência da vida e das coisas e um novo horizonte se apresente.

Se aconchegue, Dersu, ao meu lado.

Vamos conversar um bocado.

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