O que é esse arrepio que nasce na barriga, percorre o corpo, subindo até o topo da cabeça, onde queima, muda o humor, me torna melancólico? Melancólico e solitário eu sempre fui, mas por que isso agora me incomoda?
Talvez seja porque solidão e melancolia se tornam suportáveis quando não se olha pela janela que o coração escancara para o mundo. Olhar por ela é muito fácil quando a vista está favorável, quando se enxerga alguém que cativa a contemplação indefinida. Nesses momentos nos dispomos a tudo para não sair da janela, para poder se deleitar um pouco mais com a paisagem. As convicções se torcem, contorcem, se modificam, na esperança de que esses momentos de contemplação durem o quanto for possível.
Entretanto a vista vai sendo perscrutada cada vez mais a fundo, ganhando tonalidades diferentes. Há muita surpresa ao se encontrar imperfeições onde antes não se notara. Então, ou diminui-se a vontade de olhar, processo gradual que leva inexoravelmente ao afastamento da vista, ou reaprende-se a observá-la, com olhos diferentes, mais críticos, mas fundamentalmente intocados na vontade de continuar olhando.
Depois de muito tempo me proibindo de olhar pela janela, resolvi espiar e gostei do que vi. Observei atentamente e percebi várias nuances ausentes na impressão inicial. Percebi que não havia harmonia completa e, azar meu, ou sorte, já não sei dizer, não tive vontade de deixar de olhar. Corro agora, tentando não olhar, fecho os olhos, quero que a vista se afaste, mas ela continua impressa nitidamente na minha retina.
Como então livrar-me da angústia de fechar os olhos e continuar vendo o que não quero/devo ver?
Por quais mudanças devo passar para suportar?
Quais convicções estaria eu disposto a rever para que a situação se modifique?
Uma coisa é certa, uma vez que decidimos olhar pela janela, não conseguimos mais viver sem ela. Se devo olhar, agora, através dela, devo mudar muitas coisas. A criação deste blog e publicação de meus textos talvez seja o primeiro passo para sair do casulo onde entrei e relutei
Agradeço à pessoa que abriu os meus olhos, cuja imagem ainda está fixa na retina dos meus olhos fechados. Que nunca sumirá, pois acredito que na retina haja um espaço pequenino para cada pessoa que nos proporciona bons momentos. Esses bons momentos é o que desejo levar da vida.
Não olhar pela janela é não viver, só agora percebo. Esse recém-nascido agradece pela chance de poder viver.
4 comentários:
Por que a solidão agora te incomoda? Porque qualquer posição, por mais confortável que seja, um dia se torna desconfortável. As juntas começam a doer, a ranger como as tábuas de um navio, reinvindicando uma nova posição. Parece que os olhos - e o coração -clamam: "Mude de posição, quero ver o mundo de outra perspectiva". O problema é que às vezes somos teimosos e nos recusamos a adotar novo ponto de vista porque preconceituosamente acreditamos que o nosso é o melhor. Assim, ignoramos negligentemente os tais clamores - e pagamos um preço alto quando isso acontece.
Tens razão! No próprio texto eu admito que deve haver mudanças. Agora tenho que cavocar um pouco mais fundo, já que o buraco está feito, e tentar descobrir onde tudo vai dar. O importante é lembrar do que se passou e ver que, onde quer que eu chegue, não será um lugar para deixar novamente as juntas rangerem. Essa dinâmica é um bocado difícil de ser aprendida, mas com o tempo a gente pega o jeito.
Coragem de mudar...
É complicado mesmo, sofremos por uma vida que algumas vezes muda mesmo que não tenhamos pedido por isso, mesmo que a mudança tenha sido imposta.
Depois, quem sabe, pensamos que pode ter sido melhor mesmo, ou não... O conflito gerado internamente pode até fazer crescer, mas não é facil.
Patrícia, se a mudança foi melhor ou não, não é a questão fundamental. O que importa é como que se reagiu perante a mudança imposta, qual foi o caminho seguido e se o final de mais esta caminhada levou a um fim satisfatório. Espero sinceramente que no teu caso tenhas sido feliz e que as mudanças tenham te ajudado a ser uma pessoa mais completa e realizada.
Postar um comentário