quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Pré-conceitos

Admito sou um pré-conceituoso, como muitos por aí. Toda vez que me defronto com algo, já tenho uma imagem pré-formada do que me espera, o que muitas vezes me impede de enxergar as coisas agradáveis que poderiam suceder. Não é algo a se envergonhar, muito menos de se orgulhar, que todos tenham um pouco disso, afinal a nossa bagagem intelectual está sempre ligada para tentar nos livrar das roubadas que aparecem por aí. Talvez isso seja reflexo de uma certa arrogância intelectual despertada pela vaidade de achar que já sei de tudo. Não sou o único a fazê-lo e é compreensível, mas sei que devo fazer uma força grande para impedir que ela aja e continue fazendo estragos.

Toda vez que utilizamos nossos pré-conceitos acabamos por fechar portas que às vezes nos levariam a viagens prazerosas. É como lembrar de Almir Sater por ter feito novelas ruins e não saber que o cara é um dos virtuosi da viola caipira brasileira, que compôs junto com Rolando Boldrin e Renato Teixeira entre outros. Quem não conhece, drible o seu pré-conceito e dê uma olhada em Te Amo em Sonhos, Tocando em Frente, Na Estrada do Sonho, só para começar.

O mesmo acontece com a música gaúcha, tão sofrida pelos estigmas do que a mídia rotulou e que divulga amplamente, deixando de lado as músicas que realmente trazem idéias que valham a pena refletir. Acredito que com a música gaúcha seja um pouco mais difícil deixar o pré-conceito de lado porque algumas vezes parece que as músicas estão em outro idioma. Entretanto é só um vocabulário antiquado e voltado a um tipo de atividade que se separou da vida das cidades há algum tempo.

O vocabulário é só uma desculpa esfarrapada para se afastar deste tipo de música. Tem gente que estuda outras línguas a vida inteira, aprecia as letras e não se dá conta de que teve que estudar muito mais do que necessitaria para entender as músicas da sua terra. Uma vez com a cabeça aliviada dessas preocupações iniciais, abre-se um mundo riquíssimo de temas. Sem querer ser ufanista, mas já sendo, eu duvido que em outra cultura se encontre tantos assuntos, metáforas, abordagens quanto na cultura gaúcha.

Os temas vão desde discussões existenciais até os temas sociais mais polêmicos, passando por lendas, amores, passagens da vida cotidiana, etc.

Obviamente não estou falando de todas as músicas que atualmente fazem sucesso popular, tem muito lixo rolando por aí, que se junta ao resto da lixeira cultural em que este país se tornou. De vez em quando vou rechear os artigos por aqui com trechos de músicas e seus respectivos pares produzidos por aí, ilustrando um pouco as minhas idéias recém publicadas.

Como inauguração vai aí uma comparação da Balada do louco (Arnaldo Batista/Rita Lee) e O Louco (Cenair Maicá): “Eu juro que é melhor não ser um normal se posso pensar que Deus sou eu”; “E neste mundo maleva, de tão difícil guarida, quem sabe o sonho do louco é melhor que outra vida”.

4 comentários:

Ana Maria Montardo disse...

Que engraçado, dizes que nossa bagagem cultural nos protege de muita coisa ruim por aí. Eu penso justamente o contrário: a intelectualização nos priva de muita coisa boa. Ela é um combustível e tanto para nossos preconceitos, quando em fase embrionária. É ela que os alimenta e os transforma em monstros, essas armaduras que vestimos. Por causa dos anos de estudo e de leituras de Shakespeare e Alighieri, um monte de gente não se emocionou com a belíssima história do filme 2filhos de Francisco, para citar um exemplo. E eu até imagino por quê. Não, não é por causa da música sertaneja que há tanta resistência. Ocorre que a maioria dessas pessoas "intelectualizadas" são aquelas que ainda bebem na fonte de uma intelectualidade de orientação marxista (ou pseudo-marxista, sabe-se lá!), que vêem o mundo como uma cruel cisão entre opressores e oprimidos, oprimidos estes que, graças à maldade dos opressores, não sairão jamais desta condição. Pois o filme em questão mostra o contrário, uma verdade que esse pessoal reluta em reconhecer: às vezes, a força do indivíduo pode, SIM, sobrepor-se ao coletivo. Com algum talento e muita determinação, é possível ascender socialmente. Mas não é este tipo de história que essa gente quer ver. Essa gente quer ver Vidas secas - aliás, alguém pode me responder por que intelectual adora pobreza, hein?

Essa gente é exatamente aquele pessoalzinho universitário do filme Tropa de Elite, que lê e discute Foucault e mantêm ONGs na favela, mas não sabem nada de favela, muito menos de favelados. Os que lutam pela paz, mas financiam a violência.

Reconheço a dificuldade de se despir de um peconceito. Esta tarefa pressupõe admitir que é melhor andar nu, quando se passou a vida inteira vestindo ele. E não é nada fácil reconhecer um erro de uma vida inteira, porque é inevitável tentar calcular quanto se perdeu por causa dele, e o cálculo mais otimista é desolador.

Mas pensemos no quanto ainda podemos ganhar daqui para frente se nos livrarmos dele!!!

Deep Red disse...

Reafirmo que nossa bagagem cultural nos protege, sim, de muita coisa ruim que anda por aí. O que eu acho que não se pode confundir é bagagem cultural com intelectualização. Bagagem cultural se refere a tudo o que observamos e como interagimos com a informação recebida. O processo que chamaste de intelectualização é UMA das formas de interagir com a informação nos impulsionando a uma arrogância que joga na lixeira qualquer coisa que não se enquadre um certo padrão. Quanto ao Marxismo, ele não afirma que UM indivíduo não possa ascender socialmente, ele apenas afirma que existindo uma diferença de níveis de poder, sempre alguém estará inferiorizado e essa relação não mudará por bondade da classe dominante. Infelizmente a teoria de Marx é uma conseqüência direta da natureza do homem. Se você tem um pequeno poder, irá usá-lo (bem ilustrado em uma cena de "A Lista de Schindler onde um oficial é convencido a não atirar pela sua janela; funciona durante algum tempo, depois ele volta ao NORMAL). Bom, acho que chegou a hora de concordar com algo. Realmente, de um modo geral, as pessoas que seguem a doutrina marxista ou que estudaram a teoria a fundo também têm um resto de bagagem intelectual em comum, a cultura judaico-cristã ocidental. Não que ter este tipo de gosto seja ruim, o problema é a conduta que adotam após acharem que sabem DEMAIS, a tal arrogância intelectual já citada.

Devem gostar de pobreza por sentimento de culpa por estarem confortáveis em suas poltronas de couro enquanto o povo sofre. Acham que se compadecendo e discutindo vão ajudar a aliviar o sofrimento do povo. Na verdade o único sofrimento que aliviam é o próprio (ou ao menos acham que aliviam).

É legal pensar no que poderemos passar a desfrutar ao estarmos livres de certas amarras, agora, me diz, com sinceridade, se ouvires a voz do Chitãozinho (ou Xororó não sei qual deles é o esganiçado) no rádio vais prestar atenção na música ou vais usar tua bagagem cultural e mudar de estação?

Se a resposta for que vais mudar de estação, então tudo acima foi um discurso vazio. Se responderes que não, jamais poderás escolher a estação a ouvir, pois todas devem ser experimentadas. Se mudares a estação para uma que tenha músicas "melhores" não te condeno, pois todos tem direito de ouvir o que be entendem de acordo com seu gosto. Isso é o que eu chamo de bagagem cultural. Se mudares de estação fazendo comentários desdenhosos sobre o que estava tocando, aí estarás sendo intelectualmente arrogante.

Para mim atualmente seria um grande exercício de me livrar de alguns preconceitos, por exemplo, ler Paulo Coelho, assim como o foi ler O Código da Vinci.

Vamos lá!! abaixo os preconceitos e viva o que o mundo tem a nos oferecer!!

Deep Red disse...

Ana só pra completar o que eu falei sobe os intelectuais que gostam de pobreza vai aí uma música do Tom Zé que ilustra um pouco isso.

Classe Operária
(TOM ZÉ)

Sobe no palco o cantor engajado Tom Zé,
que vai defender a classe operária,
salvar a classe operária
e cantar o que é bom para a classe operária.

Nenhum operário foi consultado
não há nenhum operário no palco
talvez nem mesmo na platéia,
mas Tom Zé sabe o que é bom para os operários.

Os operários que se calem,
que procurem seu lugar, com sua ignorância,
porque Tom Zé e seus amigos
estão falando do dia que virá
e na felicidade dos operários.

Se continuarem assim,
todos os operários vão ser demitidos,
talvez até presos,
porque ficam atrapalhando
Tom Zé e o seu público, que estão cuidando
do paraíso da classe operária.

Distante e bondoso, Deus cuida de suas ovelhas,
mesmo que elas não entendam seus desígnios.
E assim,, depois de determinar
qual é a política conveniente para a classe operária,
Tom Zé e o seu público se sentem reconfortados e felizes
e com o sentimento de culpa aliviado.

Ana Maria Montardo disse...

Alguns intelectuais são tão cínicos, que chegam a ter cinismo dentro do cinismo. Não bastasse falar de pobreza nas suas obras, ainda o fazem sob a alegação de que querem aliviar seu sentimento de culpa. Que culpa o quê?!! Duvido que sintam culpa! Se sentissem, fariam algo mais concreto para realmente ajudar suas fontes de inspiração! Eles falam de pobreza porque - não sei por que cargas d'água! - no Brasil, convencionou-se achar inteligente fazer crítica social, nem que seja versando sobre realidades que desconhecem, assim como na Europa é inteligente falar do Holocausto e nos EUA, dos soldados mortos ou enlouquecidos no Vietnã.