domingo, 31 de agosto de 2008

Raras Amizades

Dia frio em Porto Alegre e lá estou eu arrumando as coisas para ir a um casamento a centenas de quilômetros daqui em um lugar mais frio ainda. Na verdade gostaria eu de ser um dos participantes dele, mas por enquanto posso somente assistir. Inveja? Não. Estou exultante de felicidade. Hmmm! Feliz de viajar e ver um casamento? “Agora endoidou de vez”. Reconheço que parece coisa de doido, afinal, me deslocar de ônibus, sem saber onde ficar, dormir, chegar, assistir uma missa e, ainda assim, estar feliz?

Pois é, a gente conhece pessoas na vida, elas vão e vêm. Umas passam, outras ficam. Algumas são conhecidas, outras são amigas. E amigos, os tenho em pequena quantidade, conhecidos, aos montes. E mesmo para aqueles que chamo de amigo, confesso, não sou muito dedicado. Alguns passo meses sem ver, alguns, anos. Não recuso convites para estar com eles, mas, geralmente, não tomo iniciativa de procurá-los. Talvez seja um reflexo de uma auto-suficiência arrogante (da qual atualmente tento me livrar) que me acompanha há um bom tempo. Mais estranho ainda que eu me disponibilize a descer do meu pedestal para sair com rumo incerto pela estrada.

O que realizou este milagre? Simples. Amizade, talvez como nunca tenha encontrado outra. Nos dez anos que eu e esse cara tivemos sem ter convivência diária, ele me procurou um bocado de vezes. Não o procurei, sequer uma. Sempre tivemos afinidades de idéias sobre diversos assuntos, e quando conversávamos, falávamos de idéias e ideais. O que me foi exigido? Nada além de ser eu mesmo. É, ele conseguia ver em mim coisas boas, que eu mesmo nunca tinha percebido. E, à parte de toda a minha passividade em relação a procurá-lo, ele jamais deixou de contar comigo, e creio jamais tê-lo desapontado. Hoje tenho certeza que, mesmo que o tivesse desapontado, passaríamos por cima de tudo. Posso dizer sem medo de errar que esse cara me ensinou um bocado a respeito do que é ser amigo. Incondicionalmente disposto a ajudar e ser ajudado. Abrir o coração sem medo de julgamentos ou preconceitos.

Ele me ensinou que ser amigo é ser prudente sem ser castrador, é ser positivo sem ser irresponsável, a se preocupar com a vida do outro sem querer nada em troca. Me ensinou que às vezes só calar e ficar do lado é melhor do que falar e que às vezes a gente tem que ouvir umas verdades. Foi uma das poucas pessoas que não me condenou quando me separei. Simplesmente ficou ao meu lado e disse que a vida continua.

Ah! Ele não sabia de todo apreço que tenho por ele, mas felizmente pude falar tudo dessa vez, lacrimejamos um pouco e nossa amizade continua firme como sempre, mas agora, mais franca, sem os pudores que geralmente os homens e os tímidos refream ao falar sobre seus sentimentos. Desejo a ele toda felicidade do mundo em sua vida conjugal e que, apesar da gigantesca distância que agora nos separa (foi morar realmente muito longe), que sempre conte comigo para tudo.

Amizades assim são raras de encontrar, cultive-as e seja feliz.

sábado, 30 de agosto de 2008

Perdendo Coisas

Perder coisas e pessoas faz parte da vida. Algumas perdas acontecem rapidamente, nos levando a um estado de lamento desesperado. Outras se anunciam com antecedência e levam algum tempo para acontecer, nos levando a um estado melancólico até o dia final.

Quando alguém próximo de nós morre inesperadamente fica uma sensação de que faltou algo, algum passeio, alguma piada, algum programa, alguma conversa, algum adeus. A recuperação é demorada. Até hoje lamento a perda de meu pai. Até hoje vejo seu sorriso constante e ingênuo em noites solitárias e chorosas quando a nostalgia bate. O que me faz retornar ao normal é lembrar tudo o que ele me deixou. A união da família, a qual ele sempre prezou muito e, sobretudo a união com meu irmão. Ele costumava dizer: o pai e a mãe vão morrer, mas o mano vai ser o teu companheiro a vida toda, não briga com ele.

Quando sabemos que a perda vai ocorrer, temos tempo de nos preparar para o momento, não que isto diminua a dor da perda, mas faz com que a recuperação seja mais rápida. Como um casamento que se encaminha para o seu fim. As coisas não funcionam direito, o diálogo já não flui naturalmente, somos levados inconscientemente a um estado melancólico e isolado que somente apressa a separação.

Quando sabemos que alguém muito próximo está de viagem, temos tempo para nos preparar para o momento final, mas nada impede as lágrimas e a sensação de perda. Ao sabermos que um parente está doente e em breve morrerá, ocorre o mesmo. Em todas estas situações de espera pelo momento da perda nos preparamos aparentemente em vão, pois quando ela chega as emoções inevitavelmente afloram.

Entretanto o que percebo é que quando temos tempo para nos preparar o período de recuperação é mais tranqüilo e curto, parece que o sofrimento prévio serviu para colocar as idéias nos lugares certos.

Recentemente fiquei sabendo que a escola onde trabalho foi sumariamente vendida por incompetência administrativa. Parece bastante claro para mim que as condições de trabalho mudarão demais para que eu possa continuar trabalhando por lá. Estou me preparando para a despedida e, por mais que eu não queira me deixar afetar, já aconteceu. Ao longo do tempo em que lá trabalhei, conheci muitas pessoas que, cada uma a seu modo, fazem hoje parte do que eu me tornei. São colegas, mais ou menos próximos, que interagem comigo e a cada momento me fazem perceber o que sou e o que pareço. Além deles, o convívio com os alunos é muito gratificante, sempre me propondo situações e idéias que me levam a superar barreiras, afetivas e profissionais. Quando entrei na sala de aula pela primeira vez depois da notícia (casualmente a turma com que tenho maior identificação) senti algo diferente no ar, no chão, nos rostos, em tudo. Já comecei a me sentir meio estranho ao ambiente.

De qualquer modo, o momento da separação um dia chegará e após ele a vida continuará. Como sempre, tentarei levar de cada uma daquelas pessoas que encontrei no caminho somente as coisas boas que me passaram. As coisas que me incomodaram, ficam para trás sem rancores. Espero poder sair de lá melhor do que entrei e levando apenas o que for construtivo.

domingo, 24 de agosto de 2008

Olha o medo aí

Enquanto espero a final olímpica do vôlei masculino, recordo uma frase que ouvi de um aluno na semana que passou. Disse ele: O medo controla tudo. Bom, no final das contas acabamos em teorias da conspiração envolvendo Popeye e os efeitos alucinógenos do espinafre quando fumado e a sua relação com ET´s e o poder sobre a terra (rimos demais). Conspirações à parte, ao justificar que o medo manda em tudo ele exemplificou que eles estudam com medo de tirar nota baixa; não rouba com medo de ser presos, etc.

Na verdade o medo é uma arma poderosa que vem sendo usada por milênios na formação da sociedade. Todas as leis de todos os países determinam preceitos a serem seguidos se as pessoas querem evitar ... punição. As tábuas da lei de Moisés mostram o que não deve ser feito para ... não ser punido. O Alcorão determina regras para que as pessoas não serem punidas. Que os países tenham leis e regras é bastante aceitável e, possivelmente necessária, tendo em vista a natureza vil do homem. Mas as religiões ao menos deveriam fomentar comportamentos socialmente sadios sem recorrer ao medo. Talvez as religiões orientais como o Budismo ou o Taoísmo sejam as que mais se aproximem desse papel.

Descendo ao nível das relações de trabalho, observamos que praticamente todas as pessoas têm medo de perder seus empregos. Nada demais, afinal todos têm que pagar suas contas, sustentar a família e fazê-la evoluir com segurança. Entretanto percebemos que, salvo em algumas exceções, as pessoas não mudam seus empregos para se dedicarem a alguma atividade que gostem mais pelo medo da mudança.

Até mesmo em relacionamentos pessoais vemos que as pessoas têm medo de sair da segurança de um relacionamento estável, por mais insatisfatório que seja. Os que estão solteiros têm medo de se entregar e se machucar.

Hoje mesmo fui ao aeroporto me despedir de um amigo que foi para a França. Quando me perguntaram se eu gostaria de ir, falei que sim e que, na verdade, não há nada (exceto a proximidade da minha família) que me impeça de ir. Mas por que eu não vou? Medo! Largar emprego por aqui para viver uma aventura e voltar desempregado!? Muito arriscado. E se não arranjo emprego na volta, vou morar com a mamãe? Hmmm, já passei dessa época.

Medo, medo, medo. Ao final de tudo é ele que mantém as coisas no seu lugar. Ruim, mas necessário. Claro que o ideal é que os alunos queiram ir à escola e que estudem por gostar de aprender; que as pessoas queiram trabalhar com gosto; que os relacionamentos sejam mais francos. Como o ideal é uma utopia, vai com uns medinhos mesmo.

sábado, 23 de agosto de 2008

Noite Pós F.P.




Qual nau solitária que ruma ao horizonte
Me encontrei na entranhas entrelinhas
Dos melancólicos versos
E deles não mais saí
Por horas, dias, anos
Naqueles instantes em que contemplei
A riqueza sucinta de idéias e sentimentos.
No turbilhão de emoções e inquietações
Deparei-me com o insondável e, quando voltei,
Vi que o ponteiro dos segundos mal se movera
Vi que em um segundo se vive uma vida e que
A cada segundo se constrói outra
Que nos chama a pôr o pé no chão
E descer da nave da imaginação

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Contextualizando Kafka

Há alguns dias acabei de ler “A Metamorfose” minha estréia com Kafka. Fui ler evitando os comentários que se encontra por aí aos milhares para fazer uma leitura isenta de expectativas. O estilo cru e enxuto me surpreendeu positivamente. Um texto que ataca diretamente todos os pontos que se propõe a apresentar. Não gosto muito desta coisa de ficar analisando estilos literários e características de escritores ou escolas, mas devo confessar que me identifiquei muito com essa comunicação direta com a essência dos temas. Sem fazer rodeios e descrições desnecessárias cada frase é uma “facada no bucho”. A forma clara e concisa que ele utiliza para expor a essência do ser humano de sua época e sua região nos prende em uma leitura cáustica e cativante.

Estilos à parte é muito interessante a forma que ele aborda as relações familiares, mostrando a relatividade da posição hierárquica das peças de uma família. É claro que as diferenças entre as estruturas familiares atuais e uma família na Alemanha do início do século XX são gritantes, mas a exploração de vários temas lá citados nos leva a algumas reflexões que hoje em dia são muito relevantes.

O livro trata, basicamente, da relação entre as pessoas de uma família que é sustentada pelo filho, que trabalha de caixeiro viajante, e que um dia acorda transformado em algo parecido com uma barata. Doideira!? Nada disso. Uma barata é simplesmente algo inútil para uma família. E, no meu ponto de vista, creio que este seja o tema do livro. O que as pessoas fazem com alguém que se tornou inútil? Inicialmente o horror da descoberta leva a um estado de pena e tenta-se fazer de tudo para o alívio do sofrimento do nosso baratomem. Entretanto as questões práticas da vida obrigam uma reestruturação da família que passa a ter que viver sem o baratomem a lhes prover o sustento. Com isso começam a perceber que na verdade aquele que já lhes foi o arrimo, passa a ser um peso a carregar. O pai aposentado e “inválido” volta a trabalhar, a irmã começa a trabalhar, a mãe começa a trabalhar. E tão pronto o baratomem, que outrora tão caro lhes fora, morre, parece que todos os seus problemas acabam.

Fiz aqui duas leituras, a primeira sobre as atuais relações de trabalho. Todas as empresas procuram funcionários que “vistam a camiseta”. Procuram pessoas que se engajem nos setores de produção, de modo que a empresa passa a tomar um lugar fundamental na vida da pessoa. Apesar de toda a dedicação por anos a fio, você nunca está livre da ameaça de demissão. Diversos fatores podem quebrar as relações de trabalho, fazendo que, de uma hora para outra, aquele funcionário exemplar deixe o quadro dos empregados. TODOS são substituíveis e, assim como nosso baratomem foi deixado para trás (apesar da sua importância num passado bem recente), você também o será. Se quiser um pouco mais de estabilidade, tenha mais de um emprego.

A segunda leitura é a da posição social do idoso. Se você for um dia visitar, por exemplo, o asilo Padre Cacique, ficará encantado com as pessoas que lá encontrará. Às vezes me pergunto como essas pessoas vieram parar aqui - muitas delas possuem muitos familiares – sendo companias tão agradáveis? Simples, as pessoas não querem perder seu tempo com alguém que não dará um retorno financeiro, inclusive sendo fonte de despesas. O carinho e afeto que essas pessoas têm para dar não vale muito no nosso mundinho regido pela necessidade de acumulação de capital. Nada contra a tal acumulação (muito necessária na minha opinião), mas a que custo corremos atrás dela? Deixando a família de lado? Se isso já acontece com muitos pais deixando os filhos de lado para poder trabalhar mais, imaginem o que farão com seus próprios pais e avós. Assim como o baratomem, os idosos são deixados de lado para não atrapalhar.

Se você ainda têm seus pais, vá vê-los, por mais que sejam conturbadas as relações. Quem sabe aquele papo com seu avô, mesmo que seja sobre o tempo ou alguma história que você já conheça. Aproveite o tempo que você ainda tem com eles e desfrute da sua compania. Distribua abraços e afeto a essas pessoas que se esforçaram para lhe formar o caráter, para lhe dar estudo e preceitos morais e éticos. Sinto muito a falta de meu pai, mesmo que eu olhe para trás e veja tudo de bom que aconteceu em nossa vivência. Sempre parece pouco. Mas são boas lembranças. Lembranças de um tempo que passamos juntos e desfrutamos de momentos de imponderável magia, com aquele pozinho brilhante que aparece nos filmes. Cada sorriso, cada beijo e cada abraço que eu recebia dele estão firmes na minha memória como uma linha sempre a me indicar qual o caminho a seguir. Sei que quando a minha mãe se for, terei a mesma sensação de vazio, mas consciente de que tivemos nossos bons momentos, que faço questão de compartilhar sempre que possível. Da efemeridade da vida esses momentos de afeto simples e desinteressado, como um chimarrão com pipoca num domingo a tarde, é o que levamos como bagagem, como aquilo que valeu a pena pôr na bagagem.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Das Relações Virtuais

Nos últimos anos acompanhamos a ascensão das formas eletrônicas de comunicação. A internet que começou como uma ferramenta muito útil para pesquisadores, foi popularizada e o seu acesso amplamente facilitado à população de classe média/alta (falando de Brasil). Com tantas pessoas usando a internet as suas aplicações foram aumentando, foram criados crimes digitais e redes de relacionamento. Tanta facilidade de comunicação aliada a uma série fatores sociais faz com que nossos jovens passem cada vez mais tempo encerrados em casa na frente de seus computadores.

Com a crescente violência que temos testemunhado parece muito bom que tenhamos uma forma segura de nos comunicarmos com parentes e amigos. Além disso, com as redes de relacionamento se abre a possibilidade de conhecer pessoas novas, algumas delas se mostram novas amigas que jamais encontraríamos fora do mundo virtual. No mundo virtual podemos ser quem bem entendemos. A falta de contato físico e a possibilidade de termos mais tempo para pensar na hora de escrever modificam completamente os relacionamentos. Em uma pequena pesquisa, por exemplo, no Orkut, podemos rapidamente saber das preferências de uma pessoa, quais seus gostos musicais, manias e opiniões a respeito de alguns assuntos. Parece tudo bastante satisfatório e, de fato, são vantagens inegáveis.

Entretanto perdemos uma parte importante dos relacionamentos humanos que é o contato físico. No mundo virtual não percebemos a tremulação de uma voz chorosa, não sentimos as lágrimas de um amigo no ombro ou a respiração entrecortada por um largo sorriso. Ninguém coloca no seu Orkut a comunidade: hoje estou precisando de colinho ou hoje estou triste precisando de atenção. Uma verdadeira amizade necessita de um contato mais próximo. O que você escreve no seu computador, são só palavras escritas e não dizem sequer uma parte do que dizem um olhar, um gesto, um silêncio.

O resultado prático de tudo isso é uma geração de adolescentes cada vez mais egocentristas, desacostumados a partilhar. Quem passa muito tempo isolado na frente de um computador acaba perdendo o costume de dividir as coisas, seus pertences, seus sentimentos, suas experiências. Concomitantemente percebe-se que a coordenação motora desses jovens sofre danos cada vez maiores. Tarefas outrora simples como pular corda parecem agora coisas impossíveis de fazer. A noção de sincronicidade necessária à prática de esportes e de algumas brincadeiras fica cada vez mais precária.

É claro que não podemos abrir mão de algumas das vantagens dos relacionamentos virtuais, especialmente a segurança, mas sempre devemos tentar equilibrar as coisas. Se é bom encontrar uma pessoa no MSN, é muito melhor encontrá-la pessoalmente, se foi legal mandar um scrap, melhor ainda seria dizê-lo diretamente. Nem sempre é possível o encontro, mas deixe a preguiça de lado, visite, disponha-se a ser visitado. Não troque a sua vida real pela virtual. Qualquer emoção virtual é facilmente subjugada por uma real. Fomente o contato com seus amigos. Quando você olhar pra trás em busca do que se passou em sua vida você verá que se lembrará quase que exclusivamente de momentos passados ao lado de seus amigos e amores.

domingo, 10 de agosto de 2008

Espanando o Pó

Aproveitando ainda o texto das meninas do último post e uma mensagem de uma ex-aluna em viagem pela Espanha, resolvi escrever mais um pouco.

No texto das meninas apareceram umas frases que tomei como metáforas para algumas reflexões: “De que adianta conquistar o mundo se você não conquistou nem mesmo a sua própria cidade?
É importante conhecer as diferentes culturas, entender o que diversos povos fazem e pensam.
Mas e quando te perguntarem: 'E você, o que se faz na sua cidade?'
Seria legal ter uma resposta para essa pergunta!”. Simples e perfeito, como podemos nos arrojar a conhecer outras pessoas se não sabemos sequer quem somos? O que fazemos com a carga de conhecimento que obtemos do relacionamento com outras pessoas?

Muitas vezes deixamos as coisas acontecerem sem nos perguntarmos o porquê de muitas delas. Às vezes nos pegamos com uma certa sensação de desconforto em algumas companias (sim, eu me recuso a escrever companhias) sem sabermos qual a origem desta sensação e como lidar com ela. Outras vezes é uma incrível sensação de bem-estar em outras companias, sem sabermos a razão desta empatia. Essas coisas “de pele” acontecem seguidamente, sensações que às vezes se desfazem com o convívio mais próximo. É importante que saibamos controlar nossos impulsos iniciais para que possamos analisar tais situações com neutralidade e evitar que se cometam injustiças. Mas como fazer para controlá-los?

A resposta está dentro de cada um de nós e creio que seja muito difícil a encontrarmos sem uma boa dose de autoconhecimento. Toda vez que nos encontramos em uma situação nova tentamos sempre classificá-la em alguma parte de nosso arquivo mental, tentando utilizar uma série de padrões pré-determinados de comparação para finalmente valorar o fato novo que se apresenta. Mas como saber em que gaveta do arquivo devemos colocar as novas informações? Uma boa dica sobre o que fazer é simplesmente gastar algum tempo na organização de suas idéias, assim como uma bibliotecária conhece a sua biblioteca.

Quantas vezes me impressionei, nas bibliotecas que já encontrei pela vida (e não foram poucas), pelo conhecimento que as pessoas que lá trabalhavam tinham acerca do posicionamento da imensa quantidade de volumes que lá estavam. A simplicidade com que elas se locomovem pelas prateleiras e a rapidez com que achavam as informações é algo notável. Entra a segunda parte: “La sencillez de carácter es el resultado natural del pensamiento profundo”. O pensamento profundo corresponde aqui em minhas metáforas com o tempo que você gasta arrumando a sua biblioteca, tirando o pó dos livros e tendo sobre ela um conhecimento mais apurado. Conhecendo a si próprio você aprende a ser simples de caráter, sincero consigo mesmo e a ficar mais seguro a respeito de seus próprios comportamentos. Isso tudo gera tranqüilidade e tolerância com as diferenças, nos fazendo menos ansiosos e precipitados. Com isso passeamos tranquilamente pela nossa biblioteca, que, agora com menos mistérios, parece uma senda mais segura para trilhar os pedregosos caminhos da vida.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Divirta-se

Acabo de assistir dois filmes que me suscitaram algumas reflexões. “Shakespeare Apaixonado” e “Cinema Paradiso”. Apesar de serem totalmente diferentes ambos me levaram a pensar a respeito dos momentos de lazer na nossa vida.

Em Shakespeare Apaixonado é contada uma história sobre uma moça de boa família que é apaixonada pelo teatro e faz de tudo para poder ser atriz (numa época em que somente homens podiam subir ao palco). Não desejo aqui falar sobre a atriz principal ou seus dilemas. Me concentro (me recuso a escrever “Concentro-me”) mais no público, o povão, que é completamente alucinado pelos espetáculos. A mesma coisa acontece em Cinema Paradiso onde as pessoas do vilarejo se reúnem para ver à exaustão os poucos filmes disponíveis em seu cinema, na Itália combalida do pós-guerra.

Nos dois filmes encontramos a imensa expectativa que os espetáculos criavam e as torrentes de emoções causadas por eles. As pessoas esperavam os momentos no teatro (cinema) como se fossem a coisa mais importante do dia. De fato, os panoramas históricos que descrevem os dois filmes são realidades distantes de nós. Quando digo “nós” falo de mim e de você que está lendo este texto, pois, afinal, se você tem um computador conectado à internet e achou esse blog, você ao menos já tem algo a fazer nas suas horas livres. Mas existem pessoas que ainda vivem realidades parecidas com aquelas mostradas nos filmes.

Em algumas cidades do remoto interior do nosso país existem comunidades que não conhecem todos os prazeres que os confortos modernos nos proporcionam. Nessas localidades assistir TV ou um filme no arcaico videocassete são luxos nem sempre acessíveis a todos.

Especialmente em Porto Alegre contamos com uma rede de lazer bastante ampla, que abrange uma gama muito ampla de poderes aquisitivos. Desde os espetáculos gratuitos patrocinados pela prefeitura aos grandes e caros shows dos luxuosos teatros. Além disso, estamos em uma cidade com uma história riquíssima, onde a própria arquitetura dos prédios e suas tradições já são um espetáculo à parte. Já vi pessoas reclamando que não tem nada pra fazer em Porto Alegre. Não sabem procurar, ou então buscam coisas que realmente aqui não existem (mude-se).

(Aqui entrei em dúvida sobre escrever em modo light ou hard, preferi o light. O hard seria sobre fazer da sua vida um imenso momento de lazer/prazer, procurando trabalhar com algo que realmente nos faça felizes e ter coragem de assumir o ônus dessas escolhas).

Fui surpreendido positivamente essa semana por um texto produzido por duas alunas que tem um teor semelhante ao texto acima. Elas, em tenra idade, tiveram a postura de acreditar que poderiam encontrar bons momentos no aparentemente caótico centro de Porto Alegre. Depois disso creio que elas devam ter sido infectadas por aquele bixinho que nos faz pensar que seremos portoalegrenses para sempre (se já não o fossem).

Fica aí o texto das meninas para encerrar:

O Centro

Finalmente! Chegaram as férias! Todo mundo comentando seu destino, arrumando as malas. Uns vão para longe, Bariloche, Porto Seguro, outros vão para perto, Capão, Floripa, Gramado...O desejo é o mesmo: Tirar férias da sua cidade e da sua rotina.
Mas e você que fica por aqui mesmo, faz o que nas suas férias?
Dormir, comer, ver um filminho na Sessão da Tarde...tudo bem, não viajou mesmo não é! Mas já pensou em levantar do sofá, deixar as guloseimas e a preguiça de lado e sair para conhecer, hmm...o centro?!
Achou que eu mandaria você assistir o pôr-do-sol no Guaíba não é? Mas calma, o centro de Porto Alegre não é tão ruim assim! Lá não tem só poluição, assaltos, aquele povo todo que só vai lá para trabalhar e gritar no telefone. Você pode ir o centro, somente para...passear!
E foi isso que nós fizemos nessas férias, que passamos em Poa. Pegamos um ônibus, mesmo sem saber onde ele ia parar, e quando descemos, um novo centro surgiu para nós. Ele era diferente daquele centro que nós íamos nos dias de consultas nos médicos, onde ficávamos horas e horas em enormes filas para conseguir uma nova carteira de identidade.
Durante o caminho é possível ver todo o tipo de gente e descobrir que cada um tem um motivo diferente para estar lá. O nosso objetivo, era apenas passar o tempo, e talvez esse seja o motivo de tantos olhares estranhos. Éramos as únicas que riam à toa, no centro da cidade.
Adivinha? O melhor sorvete de Porto Alegre não se come no shopping, e sim na Banca 40, no Mercado Público. E melhor ainda: O melhor cachorro-quente não é o do Rosário...é o velho e bom cachorro-quente da Princesa, que fica na Rua da Praia(que lá mesmo, descobrimos que é a mesma coisa que Andradas).
Conhecendo as pessoas certas, você ainda consegue entrar no Banco Central do Brasil e ter uma vista privilegiada do tal pôr-do-sol do Guaíba ou sentar na poltrona de um dos mais famosos advogados de Porto Alegre.
É, o centro também é cultura.
São nas ruas mais estreitas, nos becos mais escondidos que encontramos 'pequenos tesouros'. As vezes é por lá que estão as 'primeiras edições' de livros e cd's que não encontramos em lugar algum. Tem até LP do rei! Elvis Presley também tá no centro...
De que adianta conquistar o mundo se você não conquistou nem mesmo a sua própria cidade?
É importante conhecer as diferentes culturas, entender o que diversos povos fazem e pensam.
Mas e quando te perguntarem: 'E você, o que se faz na sua cidade?'
Seria legal ter uma resposta para essa pergunta!
E aí! Te anima em dar uma volta pelo centro?
Por Natália Bass e Caroline Grippa