segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Contextualizando Kafka

Há alguns dias acabei de ler “A Metamorfose” minha estréia com Kafka. Fui ler evitando os comentários que se encontra por aí aos milhares para fazer uma leitura isenta de expectativas. O estilo cru e enxuto me surpreendeu positivamente. Um texto que ataca diretamente todos os pontos que se propõe a apresentar. Não gosto muito desta coisa de ficar analisando estilos literários e características de escritores ou escolas, mas devo confessar que me identifiquei muito com essa comunicação direta com a essência dos temas. Sem fazer rodeios e descrições desnecessárias cada frase é uma “facada no bucho”. A forma clara e concisa que ele utiliza para expor a essência do ser humano de sua época e sua região nos prende em uma leitura cáustica e cativante.

Estilos à parte é muito interessante a forma que ele aborda as relações familiares, mostrando a relatividade da posição hierárquica das peças de uma família. É claro que as diferenças entre as estruturas familiares atuais e uma família na Alemanha do início do século XX são gritantes, mas a exploração de vários temas lá citados nos leva a algumas reflexões que hoje em dia são muito relevantes.

O livro trata, basicamente, da relação entre as pessoas de uma família que é sustentada pelo filho, que trabalha de caixeiro viajante, e que um dia acorda transformado em algo parecido com uma barata. Doideira!? Nada disso. Uma barata é simplesmente algo inútil para uma família. E, no meu ponto de vista, creio que este seja o tema do livro. O que as pessoas fazem com alguém que se tornou inútil? Inicialmente o horror da descoberta leva a um estado de pena e tenta-se fazer de tudo para o alívio do sofrimento do nosso baratomem. Entretanto as questões práticas da vida obrigam uma reestruturação da família que passa a ter que viver sem o baratomem a lhes prover o sustento. Com isso começam a perceber que na verdade aquele que já lhes foi o arrimo, passa a ser um peso a carregar. O pai aposentado e “inválido” volta a trabalhar, a irmã começa a trabalhar, a mãe começa a trabalhar. E tão pronto o baratomem, que outrora tão caro lhes fora, morre, parece que todos os seus problemas acabam.

Fiz aqui duas leituras, a primeira sobre as atuais relações de trabalho. Todas as empresas procuram funcionários que “vistam a camiseta”. Procuram pessoas que se engajem nos setores de produção, de modo que a empresa passa a tomar um lugar fundamental na vida da pessoa. Apesar de toda a dedicação por anos a fio, você nunca está livre da ameaça de demissão. Diversos fatores podem quebrar as relações de trabalho, fazendo que, de uma hora para outra, aquele funcionário exemplar deixe o quadro dos empregados. TODOS são substituíveis e, assim como nosso baratomem foi deixado para trás (apesar da sua importância num passado bem recente), você também o será. Se quiser um pouco mais de estabilidade, tenha mais de um emprego.

A segunda leitura é a da posição social do idoso. Se você for um dia visitar, por exemplo, o asilo Padre Cacique, ficará encantado com as pessoas que lá encontrará. Às vezes me pergunto como essas pessoas vieram parar aqui - muitas delas possuem muitos familiares – sendo companias tão agradáveis? Simples, as pessoas não querem perder seu tempo com alguém que não dará um retorno financeiro, inclusive sendo fonte de despesas. O carinho e afeto que essas pessoas têm para dar não vale muito no nosso mundinho regido pela necessidade de acumulação de capital. Nada contra a tal acumulação (muito necessária na minha opinião), mas a que custo corremos atrás dela? Deixando a família de lado? Se isso já acontece com muitos pais deixando os filhos de lado para poder trabalhar mais, imaginem o que farão com seus próprios pais e avós. Assim como o baratomem, os idosos são deixados de lado para não atrapalhar.

Se você ainda têm seus pais, vá vê-los, por mais que sejam conturbadas as relações. Quem sabe aquele papo com seu avô, mesmo que seja sobre o tempo ou alguma história que você já conheça. Aproveite o tempo que você ainda tem com eles e desfrute da sua compania. Distribua abraços e afeto a essas pessoas que se esforçaram para lhe formar o caráter, para lhe dar estudo e preceitos morais e éticos. Sinto muito a falta de meu pai, mesmo que eu olhe para trás e veja tudo de bom que aconteceu em nossa vivência. Sempre parece pouco. Mas são boas lembranças. Lembranças de um tempo que passamos juntos e desfrutamos de momentos de imponderável magia, com aquele pozinho brilhante que aparece nos filmes. Cada sorriso, cada beijo e cada abraço que eu recebia dele estão firmes na minha memória como uma linha sempre a me indicar qual o caminho a seguir. Sei que quando a minha mãe se for, terei a mesma sensação de vazio, mas consciente de que tivemos nossos bons momentos, que faço questão de compartilhar sempre que possível. Da efemeridade da vida esses momentos de afeto simples e desinteressado, como um chimarrão com pipoca num domingo a tarde, é o que levamos como bagagem, como aquilo que valeu a pena pôr na bagagem.

Nenhum comentário: