Há alguns dias acabei de ler “A Metamorfose” minha estréia com Kafka. Fui ler evitando os comentários que se encontra por aí aos milhares para fazer uma leitura isenta de expectativas. O estilo cru e enxuto me surpreendeu positivamente. Um texto que ataca diretamente todos os pontos que se propõe a apresentar. Não gosto muito desta coisa de ficar analisando estilos literários e características de escritores ou escolas, mas devo confessar que me identifiquei muito com essa comunicação direta com a essência dos temas. Sem fazer rodeios e descrições desnecessárias cada frase é uma “facada no bucho”. A forma clara e concisa que ele utiliza para expor a essência do ser humano de sua época e sua região nos prende em uma leitura cáustica e cativante.
Estilos à parte é muito interessante a forma que ele aborda as relações familiares, mostrando a relatividade da posição hierárquica das peças de uma família. É claro que as diferenças entre as estruturas familiares atuais e uma família na Alemanha do início do século XX são gritantes, mas a exploração de vários temas lá citados nos leva a algumas reflexões que hoje em dia são muito relevantes.
O livro trata, basicamente, da relação entre as pessoas de uma família que é sustentada pelo filho, que trabalha de caixeiro viajante, e que um dia acorda transformado em algo parecido com uma barata. Doideira!? Nada disso. Uma barata é simplesmente algo inútil para uma família. E, no meu ponto de vista, creio que este seja o tema do livro. O que as pessoas fazem com alguém que se tornou inútil? Inicialmente o horror da descoberta leva a um estado de pena e tenta-se fazer de tudo para o alívio do sofrimento do nosso baratomem. Entretanto as questões práticas da vida obrigam uma reestruturação da família que passa a ter que viver sem o baratomem a lhes prover o sustento. Com isso começam a perceber que na verdade aquele que já lhes foi o arrimo, passa a ser um peso a carregar. O pai aposentado e “inválido” volta a trabalhar, a irmã começa a trabalhar, a mãe começa a trabalhar. E tão pronto o baratomem, que outrora tão caro lhes fora, morre, parece que todos os seus problemas acabam.
Fiz aqui duas leituras, a primeira sobre as atuais relações de trabalho. Todas as empresas procuram funcionários que “vistam a camiseta”. Procuram pessoas que se engajem nos setores de produção, de modo que a empresa passa a tomar um lugar fundamental na vida da pessoa. Apesar de toda a dedicação por anos a fio, você nunca está livre da ameaça de demissão. Diversos fatores podem quebrar as relações de trabalho, fazendo que, de uma hora para outra, aquele funcionário exemplar deixe o quadro dos empregados. TODOS são substituíveis e, assim como nosso baratomem foi deixado para trás (apesar da sua importância num passado bem recente), você também o será. Se quiser um pouco mais de estabilidade, tenha mais de um emprego.
A segunda leitura é a da posição social do idoso. Se você for um dia visitar, por exemplo, o asilo Padre Cacique, ficará encantado com as pessoas que lá encontrará. Às vezes me pergunto como essas pessoas vieram parar aqui - muitas delas possuem muitos familiares – sendo companias tão agradáveis? Simples, as pessoas não querem perder seu tempo com alguém que não dará um retorno financeiro, inclusive sendo fonte de despesas. O carinho e afeto que essas pessoas têm para dar não vale muito no nosso mundinho regido pela necessidade de acumulação de capital. Nada contra a tal acumulação (muito necessária na minha opinião), mas a que custo corremos atrás dela? Deixando a família de lado? Se isso já acontece com muitos pais deixando os filhos de lado para poder trabalhar mais, imaginem o que farão com seus próprios pais e avós. Assim como o baratomem, os idosos são deixados de lado para não atrapalhar.
Se você ainda têm seus pais, vá vê-los, por mais que sejam conturbadas as relações. Quem sabe aquele papo com seu avô, mesmo que seja sobre o tempo ou alguma história que você já conheça. Aproveite o tempo que você ainda tem com eles e desfrute da sua compania. Distribua abraços e afeto a essas pessoas que se esforçaram para lhe formar o caráter, para lhe dar estudo e preceitos morais e éticos. Sinto muito a falta de meu pai, mesmo que eu olhe para trás e veja tudo de bom que aconteceu em nossa vivência. Sempre parece pouco. Mas são boas lembranças. Lembranças de um tempo que passamos juntos e desfrutamos de momentos de imponderável magia, com aquele pozinho brilhante que aparece nos filmes. Cada sorriso, cada beijo e cada abraço que eu recebia dele estão firmes na minha memória como uma linha sempre a me indicar qual o caminho a seguir. Sei que quando a minha mãe se for, terei a mesma sensação de vazio, mas consciente de que tivemos nossos bons momentos, que faço questão de compartilhar sempre que possível. Da efemeridade da vida esses momentos de afeto simples e desinteressado, como um chimarrão com pipoca num domingo a tarde, é o que levamos como bagagem, como aquilo que valeu a pena pôr na bagagem.
Meu novo blog:
Há 15 anos
Nenhum comentário:
Postar um comentário