Tardinha de sexta-feira fria, invernal,
Dizem as técnicas de canto que durante a apresentação o artista não deve olhar diretamente para a platéia para não perder a concentração. Percebi que ele seguia este conselho a risca a não ser por alguns momentos da música (La noche que me quieras/Desde el azul del cielo/Las estrellas celosas/Nos mirarán pasar/Y um rayo misterioso/Hará nido em tu pelo/Luciérnaga curiosa que vera/Que eres mi consuelo). Nas partes em que na letra se fazia declarações de amos ele fixava o olhar em uma pessoa na segunda fila, sua igualmente idosa esposa. Então a mudança em seu semblante e a doçura em seu olhar se tornavam evidentes. Seus traços suavizados mostravam todo o sentimento figurado na música. Aquela cara de bobo que involuntariamente apresentamos quando na presença da pessoa amada. Naqueles momentos, lembrei, saudoso, do olhar que meu pai costumava lançar para a minha mãe ao chegar em casa após o trabalho, depois de quase 30 anos de casamento. Um quadro inspirador e comovente nesta época de tanta inconstância. Época de relacionamentos confusos e fugazes. De desequilíbrios e excessos, desconfiança e incompreensão.
Talvez aí esteja o motivo de, durante minha vida, eu ter sempre procurado relacionamentos estáveis. Me acostumei desde sempre a ver um relacionamento onde as coisas fluíam bem, me fazendo buscar algo semelhante para mim. Essa sempre foi a forma com que idealizei os relacionamentos, a ponto de eu não admitir relacionamentos fugazes.
Para todas as pessoas com quem me relaciono, me mostro do jeito que sou, na esperança de receber igual tratamento, ficando as coisas bem claras desde o início. Desse modo, sem joguetes, avalio a situação e percebo se o relacionamento pode levar a algo duradouro ou não. Se as diferenças forem impeditivas a um relacionamento estável, tento estabelecer uma amizade, já que alguma afinidade deve existir. Isso significa, sim, que prefiro ficar sozinho e aberto a novas possibilidades do que arrastar uma brincadeira somente para não estar sozinho. Me conheço o suficiente para saber que não conseguiria ficar aberto a novos relacionamentos enquanto estivesse com alguém, mesmo que não fosse algo sério.
Exemplificando, em uma conversa com uma colega eu ouvi: “minha mãe acha que eu não transo com ninguém porque eu não tenho namorado” (ou algo que o valha). Não julgo ou condeno ninguém por pensar ou ser assim, mas é algo que não me serve. Sempre que começo a sair com alguém, tento pensar que ela virá a ser minha namorada. No processo de conhecimento mútuo essa impressão se modifica, intensificando-se ou esmorecendo. Neste último caso espero que reste uma relação sadia de amizade, deixando lugar a uma nova tentativa, com outra pessoa.
Pois é, eu reconheço, parece bem antiquado, talvez tão antiquado quanto escrever um poema, uma carta, mandar flores, se relacionar com uma pessoa por vez ou cantar um tango de Gardel para alguém que nos inspire. Mas esse sou eu. Quase sempre solitário e pensativo, mas sempre franco e sincero. Procurando a mãe dos meus filhos, sem pressa, do meu jeito, talvez errado para uns (que acreditam que quanto maior a quantidade de relacionamentos, maior a probabilidade de achar um que dure), mas compreensível e lógico para mim mesmo.
Espero um dia cantar com a tal cara de bobo para alguém, provavelmente não um tango, mas alguma delicada melodia sul-americana. Disposto sempre a dar o imenso carinho que recebi dos meus pais, em uma família equilibrada e harmoniosa como foi a minha. O que me fez ser um monógamo convicto e romântico incurável.
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